Intervalos de confiança e de predição e campo de arbítrio em avaliações de imóveis
Por Valter Sarmento – Engenheiro civil
O profissional de engenharia de avaliações é requisitado sempre quando se necessita determinar um valor fundamentado a um imóvel. Esta é a visão do cliente leigo que comumente espera um valor pontual como resposta à sua necessidade. Por isso, o engenheiro de avaliação sempre conclui o seu laudo com um valor tido como o mais provável de mercado. Por conta deste costume, não é muito solicitada a avaliação intervalar prevista na primeira parte da norma, apesar dos valores admissíveis que a compõem comumente serem citados no texto do laudo de avaliação. Sabem os profissionais que a engenharia não é uma ciência exata: é uma ciência probabilística, notadamente em se tratando de engenharia de avaliações. Sabem, também, que as ferramentas de que se utilizam para fazer suas predições são precisas e eficientes, mas que os resultados obtidos não são determinísticos, mas probabilísticos.
Entretanto, há que se fornecer ao cliente o valor que ele busca para que sejam tomadas as decisões objetivadas. Mas, qualquer estimativa pontual fornecida, considerada como um valor isolado, tem uma probabilidade nula de ocorrer, de acordo com as funções de distribuição de probabilidade. Daí, terem esses profissionais a consciência de que eles lidam na realidade é com estimativas intervalares. E estes intervalos de valores devem ser bem fundamentados quanto à sua natureza, amplitude e nível de confiança. A partir desses intervalos é que serão formadas as faixas de valores admissíveis de onde será extraído um valor que será apresentado ao cliente como sendo o mais provável de mercado.
Em um estudo de avaliação, o que se pretende é que as estatísticas obtidas a partir de uma amostra se aproxime ao máximo dos principais parâmetros da população trabalhada. Por exemplo, os parâmetros média e a variância ou desvio padrão de todos os imóveis semelhantes existentes no mercado.
Como não se é possível estudar toda uma população, isto é, todos os elementos existentes do conjunto em estudo, no mercado imobiliário se trabalha com amostras formadas por elementos semelhantes ao em avaliação e colhidos aleatoriamente. No caso, a aleatoriedade deve ser entendida como o procedimento da coleta de dados sem nenhuma tendência ou preferência de escolha, dentre os obteníveis no mercado em determinado espaço de tempo.
Relembra-se aqui o conceito de estimador, como sendo uma expressão matemática decorrente do estudo de uma amostra, e o de estimativa, como o valor que se obtém a partir do estimador quando nele são incorporadas as características do imóvel que está sendo avaliado. O estimador mais comum quando se emprega o método comparativo direto de dados de mercado é a regressão linear.

Estabelecida a hipótese de que o valor mais provável de mercado de um bem é seu valor médio populacional, o que é uma informação desconhecida, o trabalho do engenheiro de avaliações torna-se, então, o de formar amostras cuja média se aproxime o máximo possível da média de toda a população. Em outras palavras, que a diferença entre as médias da população e da amostra, devida aos erros e imprecisões da amostragem, seja a menor possível.
Para o atendimento deste objetivo, estabelece-se em normas uma determinada garantia de que as amostras obtidas apresentem um intervalo de valores que contenha a média da população. Esta garantia é denominada de nível de confiança e o intervalo de valores é denominado de intervalo de confiança, ou IC como é mais conhecido.
É importante que entendamos a definição de IC, no contexto da norma, como sendo a de estarmos confiantes de que em 80% das vezes que obtivermos um intervalo de confiança a média da população estará nele contida.
Ou seja, considerando a média populacional fixa, devemos ficar esperançosos de que um mínimo de 80% dos intervalos obtidos ao longo dos nossos trabalhos posicione-se em uma região de forma tal que seja interceptado pelo valor da média da população representada pela amostra que temos em mão naquele momento.
Como não é recomendável um nível de confiança de 100% – neste caso os intervalos de confiança teriam que ter uma amplitude grande o suficiente para conter qualquer valor possível de média de uma população – a norma aceita um nível máximo de 80%. Em sendo assim, algumas amostras podem apresentar IC que não contenha a média da população. Na Figura 1, por exemplo, a amostra j não produziu um intervalo contendo a média da população, o que é um risco que se corre em levantamentos amostrais. Por tal razão é que se torna muito importante a obediência aos testes e procedimentos de validação de modelos previstos na norma.
Mas a questão que aqui se quer abordar é a seguinte: o objetivo do uso de ferramentas estatísticas é o de se fazer predições para determinadas situações ou elementos. Lembremos que os intervalos de confiança são intervalos de valores associados a uma probabilidade de conter o valor médio de mercado dos imóveis prospectados. Este valor médio é um parâmetro populacional, fixo, mas desconhecido.

Quando, entretanto, avaliamos um imóvel específico de atributos semelhantes aos da amostra estudada, mas que não faz parte dela, calculamos seu valor por uma função onde ele é a variável dependente.
Dizemos, também, que fazemos a projeção do valor do imóvel em avaliação a partir da regressão obtida.
Mesmo sem se deter em demonstrações matemáticas, pois não faz parte dos objetivos deste comentário, é intuitivo aceitar-se que intervalos formados para conter um valor constante – a média desconhecida do mercado – devam ter uma amplitude menor que a dos intervalos formados para conter valores de variáveis. É válido, então, supor-se que se pode estabelecer um novo intervalo em que se possa situar os prováveis valores projetados da variável estudada. E este intervalo tem um nome: intervalo de predição ou intervalo de confiança da projeção.
Esta situação pode ser vista de outra forma. Pode-se estar interessado em um estudo de mercado para se conhecer o valor médio mais provável de um grupo pesquisado de imóveis de determinadas características. Então se deve admitir que o valor médio de mercado dos imóveis pesquisados se encontra dento do intervalo de confiança associado à amostra.

Mas se a intenção for a de buscar o valor provável de um imóvel, com as características das do grupo estudado, mas sem a ele pertencer, deve-se eleger um valor do intervalo de predição.
Por concepção, o intervalo de predição tem amplitude maior que a do intervalo de confiança.
Interessante que esta distinção entre os dois intervalos somente agora foi recepcionada pela norma brasileira de avaliações. Mas ambos os intervalos devem se submeter a outro intervalo normativo que é o campo de arbítrio que tem uma amplitude máxima de 30% considerando-se como ponto médio a estimativa de tendência central adotada.
Os intervalos de confiança e de predição são assim definidos na ABNT 14653-2:2011: Intervalo de confiança – intervalo de valores dentro do qual está contido o parâmetro populacional com determinada confiança; intervalo de predição – estimativa de um intervalo de valores, a partir de dados de mercado observados, dentro do qual novos dados do mesmo contexto estarão contidos, com determinada probabilidade. As figuras 2 e 3 esclarecem bem como lidar com estes três intervalos de valores para se estabelecer a faixa de valores admissíveis. Lembremo-nos, por último, de dois cuidados para obediência à norma antes de se estabelecer a faixa de valores admissíveis: primeiro é o de se optar por um dos dois intervalos – confiança ou predição – em função do objetivo da avaliação e, segundo, no caso de utilização do valor arbitrado, citar esse fato e não calcular a probabilidade associada ao intervalo.